quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Heransoteropolitanidade


Desde pequena, ouço a voz de meu pai me dizendo:
"Ai, que saudade eu tenho
Da cidade que, com a benção dos meus santos, pude nascer
Passeio pela história das minhas raízes
E sinto falta dos becos, das praças
Rememoro a boemia da noite da cidade abençoada
Me revolto lembrando das lutas e manifestações
Daquela luta pelos direitos que ajudei a conquistar
Sinto saudade da grande festa de gastronomia da minha cidade
Da rotina do dia e da noite
Das marchinhas dos Fantoches nas noites de Fevereiro
- "Hoje eu sou da maneira que você me quer..." -
Dos passeios no bondinho do Plano Inclinado
As rodas de jogos de camuflada extorsão dos senhores no Campo Grande
Ah, tantas aulas perdidas para olhar de perto as saias coloridas das moças na Piedade
Como sinto saudade da minha cidade de histórias
As docerias da Lapa que sofriam com a passagem dos meus irmãos
E como não lembrar das tantas noites etílicas
Das quais o pouco de memória restou?"

Mas a maior saudade, a saudade verdadeira
Sou eu quem sinto
É dessa cidade que não conheci
Que fere, dói, padece
É a saudade de memórias que não são minhas
Dos momentos que não vivi
Minha cidade é meu parque de diversões ilusório
Dos causos e aflições que não senti
Olho e vivo a história sem tocá-la
Viajo por fora da vida que tanto quis
Mas desejo que meu espaço não seja apenas atração turística
Que as fotos não só mostrem a paisagem das casas pintadas do meu Pelourinho
Enquanto seus becos permanecem sujos de limo e de vidas tortas
Que não conseguem se livrar de seu triste passado
Que o meu lugar não feneça ao caos provocado pela alienação dos bairros nobres
Para que eu mesma possa colocar os pés nela, sentí-la minha
E viver a nova história que possamos construir
Longe de hipocrisias.

Sei que tenho seu sangue, seu ritmo, a proteção de Todos os Santos
Obrigada pela oportunidade, meu pai e meu São Salvador.

sábado, 20 de novembro de 2010

Inerência

Por pouco me cobro
Por muito me endivido
Vivo numa luta inconstante
Interiormente, vivo
Sempre nessa guerra
E algumas batalhas perdidas

O que ouço, o que olho
Toco
O tato me inspira
E me aguça o sexto sentido

Se me calo, grito
Se grito, mato
Se me vivo,
me torno viva,
me vejo viva
Sou viva por impulsos

Defenestradores de nós
Convivo com tamanha passionalidade
Me jogo de um penhasco
Penso que sei voar

Mas se por pulso eu ajo
Se obedeço apenas os comandos atrioventriculares
Se não vês em mim qualquer razão
De mim, não se aproveite
Dos meus, não me desfaço
Sou apenas demasiadamente humana.

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Metalinguagem

Meu poema possui todo o meu peso
Toda a minha matéria
Me ponho no papel
Me dou
Como quem salva uma vida

Meu poema possui a minha cor
Tão claro para que possa ser visível
Minhas veias, meu sangue
Meus poros, meus pêlos

Meu poema possui minha cara
Meu momento sem máscara
A urgência do sentimento
O excesso das minhas palavras

Meu poema é cínico
É paradoxal e inconstante
Amoroso ou gritante
Discreto ou impudico
Engajado em mim

Meu poema fala
Berra
Cala
Passionalmente vivo
Sem sentido
Sem indício de perfeição

Meu poema sou eu
Leia-me.



[Na foto, a minha amada Clarice. Não precisa ter porquê.]

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Poeminha rápido

Não é tão difícil perceber
Que o interesse me domina
Eu te olho
Como se dissesse
Você me olha
Não sei com que olhos
Não sei de que forma
Só sei que seus olhos
Chamam os meus
Só sei que meus olhos
Vibram com os seus
Só sei que nossos olhos
No segundo do nosso encontro
Conversam
Se entendem
Se olham
E se beijam.




(Espero que você entenda.)

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Amores breves

Subi no ônibus pensando em como seria bom se eu já estivesse com meu carro. Não pensei em nada exorbitante, fui bastante modesta na escolha do veículo, juro. Mas encarei a realidade e nem bem subi no maldito, o motorista já tinha acelerado. Se haviam 6 pessoas no ônibus, haviam muitas. Pelo menos isso.
Sentei à direita, próxima das cadeiras especiais. Não passaram-se 3 minutos e ele estava à minha frente, pedindo licença para sentar-se na cadeira ao lado da minha, na janela. Só o que pude notar, nesse curto espaço de tempo, foi uma bela e despretensiosa camada de pelos em seu rosto. Barba muito bonita.
Assim que ele sentou e acomodou-se, me perguntei o porquê da escolha daquela cadeira, exatamente alí, ao meu lado, na "minha" janela. Com infinitas possibilidades de assentos naquele ônibus (que, por azar o meu, eu nem sabia o nome), ele sentou comigo. Na pior das hipóteses, cogitei um assalto. Mas não. Não era.
Pensei em virar disfarçadamente a cabeça em direção à janela e olhá-lo mais um pouco, quando percebi que ele estava fazendo o mesmo. Fiquei tesa e provavelmente iniciou-se um degradê entre minha pele e meu cabelo: enrubesci. Ele parou de olhar, eu olhei de volta. Isso se repetiu umas duas vezes e eu, num (in)conveniente mecanismo de defesa, dei risada. Ele riu também. Sorriso muito bonito.
Primeiro contato visual. Ele se apressou e iniciou a conversa, ainda rindo.
- O que foi? Do que está rindo?
- Nada, nada. (Sorrisos, sorrisos...)
- Qual é o seu nome?
- Fernanda.
- Sou Rafael. Prazer, Fernanda. - Disse estendendo a mão para um aperto. Primeiro contato físico.
A conversa durou uns 5 minutos, com intervalos de 5 segundos de silêncio, por conta, principalmente, da minha timidez. Mas ele prontamente não deixava que a conversa cessasse.
Rafael mora um pouco longe, trabalha perto de mim e estuda música. Se forma ano que vem.
Meu ponto já estava próximo quando eu constatei que poderíamos rodar a cidade naquele ônibus e nunca parar de conversar. Meu mundo tinha um súbito interesse naquele mundo que estava à minha frente.
Quando me despedi, ele disse:
- Espero encontrá-la novamente. - (Que sorriso bonito.)
- Também espero... Prazer, Rafael. - Sorri bonito também.
Fui o caminho todo até chegar em casa rindo feito uma idiota. As pessoas me olhavam torto e eu não conseguia parar de sorrir. Quanto mais eu constatava a minha idiotice, mais sorria.
Não sei nada mais sobre Rafael e nem sei se nos veremos novamente. Esses momentos são tão corriqueiros, mas quem sabe o que nos espera? Sempre gostei de idealizar as coisas mais peculiares possíveis, sem correr o risco de uma possível decepção. Sou libriana nata: sofro para sempre, mas só até amanhã.
Acredito que o destino sempre faz a parte dele quando a gente faz a nossa...

Ah, quer saber? Quem precisa de carro mesmo?



[Essa imagem é do filme "My Sassy Girl" (Ironias do amor, na terrível tradução pro português), do diretor Yann Samuell, que fez um remake norte-americano do filme sul-coreano de 2001. Comédia romântica sim, sem preconceitos. Chorei pra me acabar. No filme, Charlie (Jesse Bradford) é um estudante tímido e idealista que nunca conheceu uma paixão. Quando ele salva da morte a bela Jordan (Elisha Cuthbert), sua vida muda para sempre. Os dois se aproximam e Jordan envolve Charlie em um excêntrico jogo de sedução. Para conquistar seu amor, Charlie será testado à exaustão. Vale a pena assistir. Depois me contem o que acharam!]